Guerra em Gaza
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O que representa o dia 7 de outubro na história do conflito israelo-palestiniano
O dia 7 de outubro ultrapassou os antigos padrões da história do conflito israelo-palestiniano, deixando os observadores mundiais a questionar as suas implicações a longo prazo e as suas potenciais trajectórias.
O que representa o dia 7 de outubro na história do conflito israelo-palestiniano
O ataque de 7 de Outubro permitiu ao Hamas interromper de forma muito eficaz a integração de Israel no Médio Oriente
20 de fevereiro de 2025

As raízes do conflito Israelo-Palestiniano remontam ao final do século XIX, quando surgiu o movimento sionista com o objectivo de estabelecer uma pátria judaica na Palestina. Desde então, a região tem sido abalada por uma série de guerras, ocupações e revoltas.

Esta não é a primeira vez que o conflito se desencadeia de forma tão violenta. Desde a guerra Israelo-Árabe de 1948, passando pela Guerra dos Seis Dias de 1967 e pela Guerra do Líbano de 1982, até às duas Revoltas Palestinianas, a região conheceu numerosos pontos de viragem violentos. O que torna o dia 7 de Outubro diferente, porém, é o facto de o Hamas ter conseguido tomar parte do território israelita, ainda que por pouco tempo – algo que nenhum grupo de resistência palestiniano conseguiu antes.

Os combatentes do Hamas capturaram a base militar de Re’im, o quartel-general da divisão israelita de Gaza, matando ou capturando todos os soldados israelitas ali estacionados. Embora as forças israelitas tenham conseguido retomar a base, o facto abalou o sentimento de superioridade militar de Israel.

Porque é que o 7 de outubro é diferente?

Para muitos comentadores palestinianos, os acontecimentos do 7 de outubro não têm precedentes. “Não que me lembre”, diz Kamel Hawwash, professor palestiniano, escritor e analista político, à TRT World, referindo-se à singularidade do 7 de outubro em termos de ocupação parcial do território israelita no longo conflito.

Outro académico palestiniano, Sami al-Arian, ecoou essa opinião, observando que o Hamas atacou Israel muitas vezes, mas esta foi a primeira vez que o território israelita foi ocupado por um curto período de tempo.

“Poder-se-ia também acrescentar que esta é a primeira vez desde a guerra de 1973 em que Israel foi atacado primeiro. Mesmo assim, desta vez Israel foi atacado no seu “próprio” território, ao contrário do que aconteceu em 1973, quando o Egito os atacou no Sinai e os sírios nos Montes Golã”, diz Arian à TRT World.

A Península do Sinai, que Israel ocupou duas vezes, a primeira no final da década de 1950 e a segunda entre 1967 e 1982, é um território egípcio, e os Montes Golã, ocupados por Telavive desde 1973, também pertencem formalmente à Síria.

Joost Hiltermann, Director do Programa do Médio Oriente do Grupo de Crise Internacional, disse sobre o 7 de Outubro: “Nunca vimos nada parecido”, mas acrescentou que, de certa forma, o evento foi uma continuação de padrões de longa data do conflito.

Hiltermann descreveu o ataque como “uma combinação de tudo o que aconteceu antes”, apontando para vários estágios da resistência palestiniana, desde os esforços apoiados pelo estado egípcio e outros países árabes nas décadas de 1960 e 1970 até às revoltas e as muitas guerras de Gaza com Israel.

Alguns analistas traçaram paralelos com outro grande conflito Árabe-Israelita, a Guerra de Outubro de 1973, que também começou no início de outubro. Entretanto, desta vez Israel foi atacado dentro das suas próprias fronteiras, ao contrário do Egito e da Síria, que atacaram territórios ocupados por Israel em 1973.

No 7 de Outubro de 2023, os ataques do Hamas mataram 1.180 israelitas, incluindo civis, e feriram 2.400, e o grupo de resistência palestiniano fez 251 reféns em Gaza. Após o ataque, Israel matou cerca de 42 mil palestinianos, a maioria mulheres e crianças.

O que é que o 7 de Outubro mudou?

Antes do 7 de Outubro, Israel estava confiante de que a equação política de longa data no Médio Oriente tinha mudado a seu favor - uma equação que se recusava a reconhecer a existência de um estado judeu numa região árabe maioritariamente muçulmana. Graças à mediação da administração Trump, alguns estados árabes tinham começado a normalizar as relações com Israel.

"Antes do 7 de Outubro, Israel parecia estar a escrever o último capítulo do seu projecto colonialista na Palestina. Tinha intimidado quase completamente a liderança palestiniana, destruído a chamada unidade do apoio árabe à Palestina e preparava-se para anexar uma grande parte da Cisjordânia", disse o escritor e analista palestiniano Ramzy Baroud, referindo-se a estas normalizações, à marginalização da Autoridade Palestiniana e ao cerco de Gaza.

Baroud descreveu o discurso de Netanyahu na Organização das Nações Unidas em 2023 como “o culminar de um momento devastador da história”, no qual o primeiro-ministro israelita apresentou um mapa que excluía os territórios palestinianos e lhe chamou o “Novo Médio Oriente”. Na visão de Netanyahu, “a Palestina não existia enquanto realidade política e os palestinianos, com a sua vontade e aspirações enquanto nação, já não interessavam”, afirmou Baroud.

Mas duas semanas após o discurso de Netanyahu na Organização das Nações Unidas, os acontecimentos inesperados de 7 de Outubro mudaram tudo, “colocando os palestinianos no centro da futura paz no Médio Oriente, neutralizando a capacidade de Israel para impor resultados políticos através da violência e expondo a normalização entre Israel e os estados árabes como uma farsa insustentável”, acrescenta Baroud.

O ataque do 7 de Outubro permitiu ao Hamas interromper de forma muito eficaz a integração de Israel no Médio Oriente, nomeadamente através da proposta do Corredor Económico Índia/Médio Oriente/Europa, “dando início a uma nova guerra”, afirmou Hiltermann. No entanto, Hiltermann considera que o Hamas não conseguiu grandes resultados globais.

Repercussões regionais

A posição internacional de Israel tem estado sob pressão. Os países ocidentais, especialmente na Europa, tornaram-se mais críticos em relação às acções de Israel. Entretanto, os apoiantes palestinianos ganharam mais terreno no tribunal da opinião pública mundial.

Depois do 7 de Outubro, a diplomacia regional de Israel estagnou, especialmente as negociações com a Arábia Saudita, que se tinha aproximado da normalização com Telavive. A Arábia Saudita recusou-se a normalizar com Telavive por considerar inaceitável o massacre em Gaza. Países como a Türkiye, a África do Sul e o Irão renovaram as suas críticas às acções de Israel, enquanto na Organização das Nações Unidas, grandes potências como a China e a Rússia manifestaram a sua preocupação com o comportamento de Israel.

Os peritos da Organização das Nações Unidas alertaram Israel para o risco de se tornar um estado “pária”. Contrariamente aos Estados Unidos de América, na Organização das Nações Unidas, a China e a Rússia condenaram os ataques de Israel, com o uso de explosivos em rádios e pagers, no Líbano, como sendo violações do direito humanitário, enquanto alguns estados europeus, como a Espanha e a Irlanda, advertiram Telavive contra novas violações.

Baroud argumenta que surgiu uma nova forma de legitimidade a nível mundial que é compatível com Gaza e que se opõe à ocupação israelita e às violações dos direitos humanos. Esta mudança, argumenta, substituiu a velha ordem e continua a existir face às “atrocidades indescritíveis” cometidas por Israel e à “resistência lendária” dos palestinianos.

"A legitimidade pertence agora aos que são solidários com Gaza, aos que lutam e morrem por Gaza e aos que alargam as fronteiras do conflito em nome de Gaza. Todos os que estão do outro lado desta equação sofreram uma perda de legitimidade sem precedentes."

O 7 de Outubro mudou, sem dúvida, a paisagem do conflito Israelo-Palestiniano. O que antes era considerado uma equação política estável, com Israel em pleno controlo e as esperanças palestinianas a diminuir, transformou-se agora em incerteza. O atentado não só expôs as vulnerabilidades de Israel, como também confirmou que a paz no Médio Oriente não pode ser alcançada sem a resolução da questão palestiniana.

“Isto significa que o período pós “7 de Outubro” obrigará a Palestina a reescrever as regras políticas e geopolíticas que têm regido a Palestina e, na verdade, todo o Médio Oriente nas últimas décadas, bem como a posição de Israel face aos estados árabes e ao paradigma de poder regional centrado nos Estados Unidos de América”, afirmou Baroud.

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