Um coração mais gentil: como a arte pode tornar as pessoas mais abertas e menos xenófobas
Ciência & Tecnologia
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Um coração mais gentil: como a arte pode tornar as pessoas mais abertas e menos xenófobasAs descobertas de investigadores austríacos ocorrem numa altura em que se sive um crescer dos sentimentos anti-migrantes, que provoca um aumento de casos de islamofobia no Ocidente.
Erkan Oezgen, Wonderland (Still), 2016. / Foto: Graças ao artista
27 de fevereiro de 2025

Ars gratia artis - arte pela arte - diz o famoso ditado.

Mas será que existe um objetivo maior para a arte ou para o artista? Esta é a pergunta que uma equipa de investigadores se propôs a explorar.

A equipa internacional, liderada por pesquisadores da Universidade de Viena e em colaboração com o Museu Dom, em Viena, Áustria, quis descobrir se as exposições de arte tornariam os seres humanos mais gentis e compreensivos e levariam a mudanças de atitudes e comportamentos.

O que eles descobriram foi importante: os frequentadores do museu relataram menor negatividade (xenofobia) e maior positividade (aceitação de refugiados).

A exposição, “Mostre-me a sua ferida (Zeig mir deine Wunde)” (Show Me Your Wound), que ficou em cartaz até setembro de 2019, permitiu que os visitantes olhassem para dentro e contemplassem a fragilidade e a vulnerabilidade de outros seres humanos.

As descobertas do estudo surgem num contexto de crescentes sentimentos anti-migrantes em todo o mundo, especialmente na Europa, onde os requerentes de asilo e os muçulmanos enfrentam ataques crescentes de grupos nacionalistas.

Os crescentes sentimentos contra os migrantes também resultaram em casos de violência da extrema direita na Grã-Bretanha, que deixou um rasto de destruição por todo o país.

De acordo com o site do Dom Museum Wien, “as obras exibidas abrangem desde a Idade Média até a arte moderna e contemporânea, expondo abordagens muito diferentes sobre o tema das feridas, como a vulnerabilidade dos próprios corpos dos artistas ou o corte da tela”.

Num segundo estudo, os pesquisadores usaram um método de amostragem baseado em telemóveis para continuar a acompanhar uma amostra do público e descobrir se as mudanças perduravam e por quanto tempo.

O trabalho cumulativo, denominado “How Lasting is the Impact of Art? (Quão duradouro é o impacto da arte?), foi publicado recentemente na revista Psychology of Aesthetics, Creativity, and the Arts.

“Realmente não sabíamos o que esperar... O possível impacto das exposições de arte sobre a forma como as pessoas pensam ou sentem é um tema muito discutido, mas há pouquíssimas evidências reais”, disse o autor principal, Matthew Pelowski, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Viena, à TRT World num e-mail.

“Como amante das artes e grande crente da profunda importância social da arte, eu esperava que pudéssemos encontrar evidências robustas”.

Num comunicado à imprensa separado, Pelowski diz que o efeito da arte nos seres humanos tornou-se um assunto de interesse crescente entre os investigadores.

“A questão de como a arte nos pode converter em cidadãos mais conscientes e empáticos ou modificar as respostas das pessoas em relação aos desafios sociais, como a mudança climática e os refugiados, é um interesse cada vez maior para as instituições de arte, artistas e para os municípios e formuladores de políticas culturais”, acrescenta.

De acordo com Pelowski, a razão pela qual os investigadores decidiram realizar o estudo foi porque “apesar do grande interesse, há surpreendentemente poucos dados sobre se visitar uma exposição ou ver uma obra de arte realmente faz alguma coisa, especialmente em relação ao seu efeito sobre como pensamos e nos comportamos. A duração dos efeitos ou os tipos de efeitos que podemos encontrar são totalmente desconhecidos”.

Um dos curadores da exposição no museu vienense, Klaus Speidel, acrescenta que “nos últimos anos, houve uma mudança na forma como vemos a arte nas nossas sociedades. As artes já não são vistas como algo puramente recreativo, mas sim como um recurso poderoso, e muitas vezes inexplorado, para a saúde, a educação e o bem-estar pessoal ou social”.

Como o estudo foi montado

A equipa de pesquisa propôs-se a recolher dados e compreender melhor os efeitos da arte sobre os visitantes.

Eles começaram por avaliar as experiências dos visitantes da exposição com a curadoria de Johanna Schwanberg e Klaus Speidel no Dom Museum Wien.

Ao montar a exposição, os curadores disseram que queriam “incentivar os visitantes a refletir sobre uma questão crucial da humanidade” e “provocar mudanças positivas”.

Os investigadores elaboraram um estudo em duas etapas: Eles perguntaram aos visitantes se eles gostariam de participar num estudo em troca de um ingresso gratuito. Tudo o que os visitantes tinham que fazer era relatar os seus pensamentos e sentimentos em relação, como diz o comunicado à imprensa, “à sua preocupação empática com os outros e os seus sentimentos de xenofobia ou vontade de aceitar refugiados no seu país”.

Eles foram questionados uma vez antes da visita e outra depois.

Ao descobrirem este efeito da arte sobre os visitantes, os investigadores decidiram fazer mais perguntas: eles quiseram explorar se esses efeitos durariam e por quanto tempo.

Em seguida, a equipa de pesquisa recrutou um segundo grupo de 41 pessoas usando um método de amostragem de experiência (ESM). Foi solicitado a esse segundo grupo de visitantes que instalassem uma aplicação nos seus telemóveis e relatassem seus pensamentos e ações todos os dias.

Os resultados da aplicação foram monitorizados por duas semanas - uma semana antes e uma semana depois da visita à exposição.

Quando os investigadores compararam os relatórios da semana anterior à exposição com os da semana posterior à exposição, encontraram vários efeitos.

Eles escreveram no artigo: “As pessoas indicaram pontuações mais altas nas questões relacionadas à empatia, no que diz respeito a sentir que as pessoas com quem estavam tinham “uma influência sobre o seu humor”, bem como em “hoje prestei atenção aos meus sentimentos internos” ao comparar as pontuações anteriores à visita, no dia da visita e no dia seguinte”.

À medida que os artistas e curadores começaram a abordar questões políticas, sociais e antropológicas que preocupam o mundo atual, um estudo como este é valioso, pois pode revelar a importância do mundo da arte e como ele pode ajudar a tocar os corações e as mentes dos participantes.

A atual Bienal de Veneza, por exemplo, cujo título é “Estrangeiros em toda parte”, tem sido o tema de um grande número de discussões recentes sobre o impacto das artes na mentalidade das pessoas com relação à imigração. “O nosso estudo agora apoia fortemente a ideia de que as exposições são uma ferramenta confiável para esclarecer questões sociais”, diz Pelowski.

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