Dados compilados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que uma pandemia silenciosa assola o mundo, de forma rápida e indiscriminada. A solidão e o isolamento social são responsáveis por inúmeras mortes em todo o mundo.
"A solidão impacta seriamente a saúde e o bem-estar", afirma Alana Officer, chefe da unidade de mudança demográfica e envelhecimento saudável da OMS, à TRT World.
"As evidências disponíveis sugerem que a falta de relações sociais realmente apresenta um risco igual ou maior de morte precoce do que outros fatores de risco conhecidos, como fumar, beber em excesso, inatividade física, obesidade e poluição do ar."
Especialistas afirmam que a solidão, real ou percebida, aumenta o risco de suicídio, acidente vascular cerebral, ansiedade, demência, depressão e mais. A OMS afirma que isto aumenta o risco de doenças cardiovasculares em 30%.
"Múltiplos fatores"
A OMS define isolamento social como um número insuficiente de contactos sociais e solidão como a dor social de não se sentir conectado."
Pense no que é sentir-se sozinho no meio de uma multidão. Muitos de nós já teremos sentido isto em algum momento.
Contrariamente à percepção de que pessoas mais velhas em países ocidentais sofrem mais com isolamento social e solidão, a condição afeta pessoas de todas as idades ao redor do mundo.
"Cerca de 25% dos idosos em todo o mundo experimentam isolamento social e solidão, enquanto 5-15% dos jovens estão socialmente isolados", diz Officer, citando os resultados da pesquisa da OMS.
Por mais chocantes que possam ser, de acordo com a organização da ONU, estes números provavelmente estarão subestimados. No entanto, eles destacam uma preocupação genuína e grave de saúde pública que exige atenção urgente.
"Muitas pessoas sofrem com a solidão, o que pode ser incrivelmente prejudicial", alerta Officer.
"Comissão de Conexão Social"
A OMS estabeleceu uma nova comissão sobre conexão social para abordar a solidão como uma ameaça de saúde premente, promover a conexão social como uma prioridade e identificar as intervenções mais eficazes.
A comissão tem um mandato de três anos, durante o qual destacará como a relação social melhora o bem-estar das comunidades e sociedades e ajuda a promover o progresso económico, o desenvolvimento social e a inovação.
"Espero que, com o trabalho desta comissão, as pessoas consigam reconhecer melhor quando estão a sofrer com a solidão e isolamento social e percebam que há algo que podemos fazer a respeito," diz Officer.
"Sintomas de Isolamento"
Especialistas notaram que uma pessoa pode ter uma agenda social cheia, estar casada ou viver numa casa multigeracional e, ainda assim, sentir-se solitária.
"Esta ideia de conexão social refere-se a quão próximo e conectado uma pessoa se sente em relação a outras pessoas, seja no seu local de trabalho, vizinhança ou comunidade," explica Alana.
Quando as pessoas não recebem apoio quando mais precisam, é provável que se tornem socialmente isoladas.
Segundo Officer, isto acontece quando o apoio emocional ou físico, ou mesmo os relacionamentos que a pessoa tem, são “tensos” ou “conflituosos”.
"Eles podem não estar suficientemente próximos ou satisfatórios para que você se sinta conectado dentro do seu local de trabalho, vizinhança ou comunidade."
Impacto socioeconómico
Numa perspetiva mais ampla, qualquer situação que roube a alegria das pessoas pode levar a resultados económicos piores. Sentir-se desconectado e sem apoio no trabalho pode resultar em insatisfação e desempenho inferiores. Pedir a demissão ou ser despedido do trabalho pode ocorrer em circunstâncias extremas.
"Quando reconhece que não está feliz, que não se sente confortável com a extensão ou a qualidade dos seus relacionamentos, é essencial fazer algo a respeito," aconselha Officer, reconhecendo que às vezes isso pode ser muito mais difícil do que parece.
A publicação do Diretor da OMS, Tedros Adhanom, no X reconhece a gravidade e a escala do desafio da solidão. "Precisamos falar sobre isto de forma mais aberta. Não há problema em procurar ajuda," escreveu.
Entre os jovens, a desconexão social pode levar a desempenhos escolares piores. Segundo a OMS, as evidências mostram que os jovens que sofrem de solidão na escola estão mais propensos a abandonar a universidade.
A enviada da União Africana para a juventude, Chido Mpemba, Co-Presidente da comissão, observa que "em toda a África e além, devemos redefinir a narrativa em torno da solidão. Investimentos em conexão social são essenciais para criar economias produtivas, resilientes e estáveis que promovem o bem-estar das gerações atuais e futuras".
Poder da conexão
A um nível pessoal, Officer diz que pode ser útil obter ajuda de outra pessoa ou dar pequenos passos, como trocar o tempo num ecrã por uma ligação telefónica."Em vez de enviar uma mensagem de texto para alguém, faça um telefonema," ela insiste.
Outras soluções práticas incluem passar mais tempo de qualidade com familiares e amigos. Officer também incentiva as pessoas a participarem de atividades que facilitem o acesso a conexões sociais maiores ou de melhor qualidade.
“Pode juntar-se a um grupo, um clube, algo que você tenha interesse, começar um novo hobby,” ela aconselha, acrescentando que "cumprimentar os vizinhos ou interagir com o lojista local" constituem gestos úteis.
O trabalho voluntário também ajuda a reduzir o isolamento social. A ideia de apoiar um vizinho ou outra pessoa "tende a proporcionar uma sensação de estar mais conectado", diz Officer.
Enquanto o mundo aguarda as recomendações da Comissão da Solidão, é necessário adotar medidas que já se mostraram eficazes. Intervenções psicológicas, como terapia e aconselhamento, são eficazes, e as pessoas não devem hesitar em buscar essa assistência.
Um mundo menos solitário
Os mecanismos de apoio às pessoas que enfrentam a solidão e o isolamento social precisam ser mais acessíveis.
"Dadas as profundas consequências da solidão e do isolamento para a saúde e para a sociedade, temos a obrigação de fazer os mesmos investimentos na reconstrução do tecido social da sociedade que fizemos para abordar outras preocupações de saúde global, como o uso de tabaco, obesidade e dependência", diz o cirurgião geral norte-americano, Dr. Vivek Murthy, copresidente da comissão.
"Juntos, podemos construir um mundo menos solitário, mais saudável e mais resiliente".