Nova Síria
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“Eu só queria morrer”: Prisioneiro sobrevivente revela torturas nas prisões de Assad
Desde que, há uma semana, as forças da oposição derrubaram o governo paranoico e brutal de Assad, numerosos ex-prisioneiros têm revelado as profundezas do desespero que o povo sírio tem suportado nas últimas décadas.
“Eu só queria morrer”: Prisioneiro sobrevivente revela torturas nas prisões de Assad
Durante cinco meses e meio, Mohammed definhou numa das prisões do regime de Assad, tendo perdido 40 quilos, sempre sob a ameaça de uma execução iminente.
há 10 horas

Quando os agentes dos serviços secretos militares sírios detiveram Ghazi Mohammed al-Mohammed, disseram-lhe para esquecer o seu nome e quem ele era.

Pegaram nos seus documentos e disseram-lhe: “Agora és o número 3006”.

Durante cinco meses e meio, Mohammed definhou numa das prisões do regime de Assad, tendo perdido 40 quilos, sempre sob a ameaça de uma execução iminente.

Desde que as forças anti-regime derrubaram o governo paranoico e brutal de Assad, há uma semana, muitos ex-prisioneiros, como Mohammed, têm revelado as profundezas do desespero que o povo sírio suportou nas últimas décadas.

Em Sarmada, perto de Alepo, no noroeste da Síria, Mohammed, um homem magro apoiado em almofadas em frente a um fogão, é uma sombra do que foi.

O homem de 39 anos jura que nunca se envolveu na política síria e que é um simples comerciante que tenta ganhar a vida com os seus irmãos.

Durante uma curta viagem de negócios a Damasco, foi capturado e arrastado para um inferno.

“Há um momento em que se perde toda a esperança”, diz Mohammed, com a barba e o cabelo escuro cortados.

“No final, só queria morrer, à espera da altura em que nos executassem. Quase fiquei feliz, porque isso significava o fim do meu sofrimento.”

Quando se deslocou à capital, os seus captores chamados “mukhabarat”, os omnipotentes capangas dos serviços secretos e executores do regime de Assad, levaram-no com as mãos atadas atrás das costas, juntamente com um amigo, que era médico.

“Isso foi há cinco meses e meio”, diz Mohammed. Não sabe porque foi preso, mas pensa que pode ter sido por ter vindo da província de Idlib, no noroeste do país, onde o avanço relâmpago das forças anti-regime para sul obrigou Assad a fugir a 8 de dezembro.

Algemado e com os olhos cobertos, Mohammed foi levado para um centro de detenção no bairro nobre de Mazzeh, em Damasco, onde se situam as embaixadas, os escritórios das Nações Unidas e os centros de segurança. Levaram-no para o interior de um edifício, onde as torturas começaram.

Pendurado pelos pulsos

Durante os primeiros dias, foi pendurado pelos pulsos numa barra colocada num ponto alto da cela, sem que os pés pudessem tocar no chão. Depois, foi baixado para que pudesse, pelo menos, tocar no chão.

Mohammed era espancado e não tinha quase nada para se alimentar. O seu único contacto era com os guardas.

“Disseram-me para confessar que o meu irmão se tinha juntado aos rebeldes”, conta.

“Para ser honesto, disse-lhes o que eles queriam ouvir, apesar de o meu irmão ser um homem de negócios que dirige uma organização de caridade em Sarmada.”

Disse que conseguia ouvir os gritos de mulheres e crianças a serem torturadas em frente dos seus entes queridos para as obrigar a confessar.

Cerca de um mês depois, Mohammed foi entregue aos serviços secretos militares. Disseram-lhe que, a partir de agora, seria apenas um número.

Foi atirado para uma cela estreita com cerca de dois metros de comprimento, mais ou menos o comprimento de um homem e 1,2 metros de largura. A única fonte de luz era uma clarabóia no teto.

Não havia electricidade nem água corrente na cela e, quando precisava de ir à casa de banho, disse, os guardas obrigavam-no a ir lá nu, curvado e com os olhos fixos no chão.

Gozavam com ele, dizendo que ia ser executado.

“A tua garganta vai ser cortada como a de uma ovelha. Ou preferes ser pendurado pelas pernas ou empalado numa estaca?” Perguntavam-lhe…

No final, Mohammed não se apercebeu do que se passava no exterior, onde as forças anti-regime avançavam rapidamente do norte há 11 dias, enquanto as forças de Assad abandonavam os seus tanques e outros equipamentos. 

'Mudança'

“Uma noite, tiraram-nos das celas e alinharam-nos todos no corredor, amarrando-nos uns aos outros. Duas filas de 14 detidos. Foi a primeira vez que nos vimos uns aos outros e pensámos que íamos morrer”, conta. 

Depois de terem sido mantidos ali durante cerca de uma hora, foram aleatoriamente empurrados de volta para as celas.

“Eu disse que estava doente e que precisava de ir à casa de banho, mas ninguém se importou”, disse Mohammed.

“Depois ouvimos helicópteros a aterrar e a descolar, penso que era para tirar os agentes.”

Algumas horas mais tarde, as portas das celas foram arrombadas e as forças anti-regime libertaram-nos.

“Vi aparecerem combatentes, pensei que estava a sonhar.”

Enquanto Mohammed contava a sua história, a sua mãe de 75 anos sentou-se ao seu lado e acariciou-lhe o casaco. Nem uma só vez tirou os olhos do filho.

Ninguém lhe disse que o filho tinha sido preso. Ele simplesmente desapareceu. O Comité Internacional da Cruz Vermelha afirma ter documentado mais de 35.000 casos de desaparecimentos na Síria.

Ao contrário de muitos outros, Mohammed teve sorte. Regressou.

“Mas ele mudou”, disse a sua mãe, Fatima Abd al-Ghany. “Quando olho para ele, é como se não fosse o meu filho”.

Apesar de ele negar, ela diz que o filho tem tido pesadelos.

“Espero que eles sejam levados à justiça”, disse Mohammed sobre os seus captores. Ele está confiante de que pode identificar os três.

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